Artigos | Postado em: 21 março, 2025

Modos de fazer: notas sobre educação antirracista, movimento negro e políticas públicas

Uma história…

Era um auditório enorme e estava lotado. Centenas de professores reunidos para sua etapa de formação continuada em Educação para as Relações Étnico-Raciais – ERER. Um momento muito aguardado por mim e pela equipe do programa que eu estava à frente, o A Cor da Cultura.

A Cor da Cultura foi um projeto público-privado, coordenado pelo Canal Futura/Fundação Roberto Marinho, que atuava no apoio à implementação da Lei No 10.639/2003, que obriga a inclusão da História e da Cultura Africana e Afrobrasileira no currículo escolar da Educação Básica. O Programa teve três fases, compreendidas entre os anos de 2004 e 2014 e eu tive o privilégio de coordená-lo durante todo esse período. O projeto tinha como parceiros, além da Fundação Roberto Marinho, através do Canal Futura, a Rede Globo, por meio da sua área de Responsabilidade Social, a ONG Cidan – Centro de Informação e Documentação do Artista Negro; a SEPPIR – Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial; o Ministério da Educação, através da SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão; a Fundação Palmares, ligada ao Ministério da Cultura; a TV Brasi, e a Petrobras, que era a entidade que patrocinava o projeto.

Aquele evento sintetizava tudo o que planejávamos alcançar nos territórios que atuávamos: que o A Cor da Cultura fizesse parte de um planejamento estratégico da Secretaria de Educação e não se constituísse em um evento ou uma atividade extra; que ele fosse parte de um planejamento formativo da Secretaria. E assim foi em Brasília.

Depois de uma etapa inicial, em que atuamos diretamente com um número limitado de escolas, fomos convidados pela gestão da Secretaria para compor a estratégia de formação continuada em ERER, ou seja, a formação do ACDC, de 40 horas, seria uma etapa da formação prevista de 180 horas que a Secretaria estava oferecendo aos seus profissionais.

Aquele dia no auditório era o evento de abertura do processo formativo. Um dia de celebração e também de compromisso; falaram os gestores, falaram consultores, e nossa equipe pedagógica; apresentando o kit A Cor da Cultura, tão desejado até nos dias atuais, e a metodologia como parte do conjunto de ações e etapas do planejamento da Secretaria.

Essa ação foi resultado de muitas articulações e diálogos com a gestão. A estratégia do programa sempre foi de que o A Cor da Cultura não ficasse isolado, não fosse a única ação formativa na temática, pois não daria conta da enorme lacuna que as Secretarias tinham à época em oferecer formação continuada para dar conta da Lei No 10.639, que versa sobre a obrigatoriedade da inclusão da História e Cultura Africana e Afrobrasileira no currículo da Educação Básica. Mas, muitas vezes, o A Cor da Cultura se tornava a única atividade em atenção à implementação da Lei nas Secretarias em que firmávamos parceria. Isso estava longe do ideal, até porque só conseguíamos oferecer poucas vagas para os professores.

Mas em Brasília foi diferente. O Programa estava como deveria, dentro de um planejamento de formação de toda a rede. Naquela manhã de agosto, essa estratégia foi apresentada e celebrada. Depois das falas institucionais dos gestores e da Secretaria, teve início uma atração cultural, como é muito comum em atividades escolares. Esse é sempre um momento tenso para quem trabalha com a temática étnico-racial, pois não raro as apresentações culturais acabam por estereotipar a cultura negra ou indígena. Pinturas corporais, tambores, capoeira, samba, jongo, materiais rústicos como palha, tecido de chita e etc., tudo é muito comum nessas celebrações. Não está errado, mas é certamente limitante e exacerba um olhar enviesado sobre a cultura e presença negra e/ou indígena.

(Leia o artigo na íntegra a partir da página 103 no PDF a seguir: https://zenodo.org/records/14219455)

Escrito por Ana Paula Padrão, gestora do Projeto SETA.

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O racismo estrutural no Brasil tem dificultado, de forma sistêmica, o acesso ao direito a uma educação pública igualitária e de qualidade pelos estudantes negros, quilombolas e indígenas. A qualidade da educação que as crianças recebem no Brasil é profundamente segmentada por status racial e socioeconômico. E, hoje, identifica-se que as lacunas entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, em todos os indicadores da educação básica, são persistentes e mais graves para jovens de 11 a 17 anos. Crianças e jovens negros, quilombolas e indígenas são os mais propensos a abandonar a escola, têm maiores taxas de exclusão e menor nível educacional. Portanto, a eles são destinados os empregos de menor prestígio e salários mais baixos quando adultos. Enquanto isso, os alunos brancos internalizam as desigualdades raciais a que são expostos nas escolas e as replicam quando adultos. Quando se observa os indicadores de aprendizagem, conclui-se também que não há apenas mais barreiras de acesso à escola para crianças negras, quilombolas e indígenas, mas, que uma vez na escola, essas crianças são menos propensas a acessar à educação de qualidade.

O Projeto SETA busca realizar ações transformadoras com base em evidências resultantes de estudos que ajudam a compreender a complexidade das relações raciais no país e as problemáticas delas decorrentes que precisam ser enfrentadas. Neste sentido, prevê uma série de estudos com recortes nacional e regionais em seus territórios de intervenção, especialmente no Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo é mapear a percepção da sociedade em geral, de profissionais da educação e estudantes sobre o racismo, as desigualdades raciais em geral e na educação, a efetividade das políticas de combate ao racismo, as lacunas de ferramentas e metodologias para fomento à equidade racial e as estratégicas bem-sucedidas e boas práticas nacionais e internacionais que podem inspirar ações de valorização da diversidade e das diferenças e de mitigação das desigualdades, especialmente na área de educação.

1) Pesquisa bianual de mapeamento de público sobre percepções do racismo pela sociedade brasileira.
2) Grupos focais bianuais sobre percepções do racismo pelas comunidades escolares.
3) Monitoramento e avaliação dos indicadores educacionais com análise dos indicadores da educação com foco em raça, gênero e território.
4) Estudos liderados pelas organizações que compõem o Projeto SETA sobre “educação escolar indígena”, “educação escolar quilombola”, “trajetória educacional de meninas negras”, “juventude negra, educação e violência”, “impacto da reforma do ensino médio no aprofundamento das desigualdades educacionais” e “construção participativa de indicadores e diagnóstico sobre qualidade na educação e relações raciais”.
Todas essas produções são/serão disponibilizadas publicamente para auxiliar a sociedade na construção de narrativas qualificadas, com base no retrato da realidade, em defesa da equidade racial na educação, além de orientar ações do projeto.

O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.