Postado em: 15 abril, 2025

Crise climática no Brasil evidencia impacto na vida de estudante do Amazonas

Amazonas tem educação afetada pela crise climática - Divulgação

Alunos sofrem com secas, calor excessivo e dificuldade de locomoção na região do Amazonas (Imagem: Divulgação)

O objetivo de realizar o sonho do Curso Superior foi o incentivo que a jovem indígena Leidiane Alfredo dos Santos, estudante do 5º período de pedagogia, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), e moradora da Comunidade indígena Tikuna Filadélfia, do Território Alto Solimões, encontrou para enfrentar as três horas de caminhada diária, entre a sua casa e a UFAM. Essa era a rotina dela no ano passado, quando a região do Amazonas sofreu a pior seca de sua história. 

“Por conta das altas temperaturas, a Instituição dividiu as aulas em dois turnos. Com isso, enfrentava, debaixo de sol, uma caminhada de três horas, o que me atrasava para chegar no horário certo das aulas”, conta a jovem. De acordo com Leidiane, os alunos moradores de regiões distantes da universidade eram a favor do adiamento das classes, porém, foi uma tentativa sem sucesso. A instituição continuou normalmente o calendário letivo. Por conta da rotina exaustiva e da dificuldade enfrentada, a universitária foi reprovada em algumas disciplinas, mas segue seu principal objetivo de vida. 

“A minha maior motivação é a minha família e eu acabei me apaixonando pela pedagogia, justamente, por ter estudado numa escola indígena onde poucos professores eram especializados na área”, comenta. 

Precariedade no Sistema de Ensino no Amazonas

Para Socorro Elias, Coordenadora Executiva da Makira E’ta, no contexto geral da educação no Amazonas, independentemente da seca, as crianças, os jovens e os indígenas, já têm um ensino precário dentro dos seus territórios, e esses acontecimentos climáticos agravam ainda mais a realidade. 

“Quem acaba sendo mais prejudicado são as novas gerações. Elas terão a maior sobrecarga de mudanças climáticas, que têm piorado. Hoje, esses alunos andam quilômetros para ir até uma escola e já chegam cansados e com fome”, comenta Socorro. A profissional destaca que os problemas, enfrentados há décadas, ainda não têm a repercussão que merecem. “Não existe essa preocupação porque quem mais sofre são as camadas mais vulneráveis. Nas capitais, por exemplo, os alunos vão para a escola de ônibus, diferentemente das regiões ribeirinhas, onde os estudantes necessitam fazer o trajeto de canoa”, analisa. 

Júnior Aleixo, Coordenador de Políticas e Programas da ActionAid, destaca que essa é uma realidade que, historicamente, já atinge outras regiões do país. “Pensando em contextos de seca extrema, por exemplo, a região do semiárido brasileiro enfrenta um processo que é, justamente, a incerteza da possibilidade de reversão da biodiversidade onde ocorre a desertificação”, comenta o especialista. 

De acordo com o profissional, não há possibilidade de combater as mudanças climáticas com o aprofundamento da dominação racial. Por isso, é imprescindível que uma educação antirracista esteja diretamente integrada à educação ecológica, que se discuta o que é racismo, justiça social e meio ambiente.

Aleixo complementa que a situação nos próximos anos será ainda pior, pois a população vive uma realidade que não pode ser postergada. “Acredito que já adiamos demais essa discussão em relação às mudanças climáticas e negar essa realidade é, principalmente, corroborar com gestos que são anti-cientificistas”, finaliza.

Educação Indígena no Brasil

A Constituição Federal Brasileira, de 1988, assegurou às comunidades indígenas o direito a uma educação diferenciada, específica e bilíngue. No entanto, a Educação Escolar Indígena, atualmente, ainda é um grande desafio. Segundo dados do Censo Escolar de 2023, das 178,3 mil escolas de ensino básico, apenas 3.541 estão localizadas em territórios indígenas e aplicam conteúdos específicos e diferenciados, de acordo com aspectos etnoculturais. Já outras 3.597 unidades escolares oferecem educação indígena, por meio das redes de ensino.

Apesar da legislação oferecer orientações, desde como a escola precisa se organizar, como realizar consultas prévias, até como deve ser a formação do educador e a funcionalidade dos setores indígenas dentro das instituições, o seu cumprimento é visto como o principal desafio. Para Jonise Santos, docente há 25 anos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), um dos pontos que mais merecem destaque no processo de existência real e eficaz desse modelo de ensino é a formação. 

“Se não há formação de qualidade ou orientações sobre direitos e, ainda, sobre metodologias específicas, todo o processo será equivocado. Com isso, a escola, que deveria ser um instrumento de resistência e de luta, continua sendo um instrumento de integração à sociedade nacional”, comenta a educadora, que faz parte do time de consultores da Makira E’ta.

A vivência na pele de todos os desafios enfrentados por Lidiane plantaram na futura pedagoga a vontade de contribuir na educação de crianças. Foi com a ajuda da mãe, professora, que ela aprendeu o português, pois desde pequena se comunicava através de sua língua materna e tinha dificuldades com o outro idioma. “Futuramente, quando me formar, quero colaborar com outras crianças também, a serem estudantes indígenas e bilíngues”, salienta. 

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O racismo estrutural no Brasil tem dificultado, de forma sistêmica, o acesso ao direito a uma educação pública igualitária e de qualidade pelos estudantes negros, quilombolas e indígenas. A qualidade da educação que as crianças recebem no Brasil é profundamente segmentada por status racial e socioeconômico. E, hoje, identifica-se que as lacunas entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, em todos os indicadores da educação básica, são persistentes e mais graves para jovens de 11 a 17 anos. Crianças e jovens negros, quilombolas e indígenas são os mais propensos a abandonar a escola, têm maiores taxas de exclusão e menor nível educacional. Portanto, a eles são destinados os empregos de menor prestígio e salários mais baixos quando adultos. Enquanto isso, os alunos brancos internalizam as desigualdades raciais a que são expostos nas escolas e as replicam quando adultos. Quando se observa os indicadores de aprendizagem, conclui-se também que não há apenas mais barreiras de acesso à escola para crianças negras, quilombolas e indígenas, mas, que uma vez na escola, essas crianças são menos propensas a acessar à educação de qualidade.

O Projeto SETA busca realizar ações transformadoras com base em evidências resultantes de estudos que ajudam a compreender a complexidade das relações raciais no país e as problemáticas delas decorrentes que precisam ser enfrentadas. Neste sentido, prevê uma série de estudos com recortes nacional e regionais em seus territórios de intervenção, especialmente no Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo é mapear a percepção da sociedade em geral, de profissionais da educação e estudantes sobre o racismo, as desigualdades raciais em geral e na educação, a efetividade das políticas de combate ao racismo, as lacunas de ferramentas e metodologias para fomento à equidade racial e as estratégicas bem-sucedidas e boas práticas nacionais e internacionais que podem inspirar ações de valorização da diversidade e das diferenças e de mitigação das desigualdades, especialmente na área de educação.

1) Pesquisa bianual de mapeamento de público sobre percepções do racismo pela sociedade brasileira.
2) Grupos focais bianuais sobre percepções do racismo pelas comunidades escolares.
3) Monitoramento e avaliação dos indicadores educacionais com análise dos indicadores da educação com foco em raça, gênero e território.
4) Estudos liderados pelas organizações que compõem o Projeto SETA sobre “educação escolar indígena”, “educação escolar quilombola”, “trajetória educacional de meninas negras”, “juventude negra, educação e violência”, “impacto da reforma do ensino médio no aprofundamento das desigualdades educacionais” e “construção participativa de indicadores e diagnóstico sobre qualidade na educação e relações raciais”.
Todas essas produções são/serão disponibilizadas publicamente para auxiliar a sociedade na construção de narrativas qualificadas, com base no retrato da realidade, em defesa da equidade racial na educação, além de orientar ações do projeto.

O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.