Postado em: 11 agosto, 2022

Educação Indígena no Brasil: dificuldades enfrentadas na formação dos educadores e prejuízos causados

A Constituição Federal Brasileira, de 1988, assegurou às comunidades indígenas o direito a uma educação diferenciada, específica e bilíngue. No entanto, a Educação Escolar Indígena, no ano de 2022, ainda é um grande desafio. De acordo com dados do Censo Escolar de 2021, o Brasil tem 3.466 escolas indígenas. Dessas, 30% não têm energia e 63%, água potável. Outro problema é o acesso à internet: o estudo mostrou que o recurso para esses alunos praticamente não existe, esse acesso está disponível somente para 10% dos colégios localizados em aldeias.

Apesar da legislação oferecer orientações, desde como a escola precisa se organizar, como realizar consultas prévias, até como deve ser a formação do educador e a funcionalidade dos setores indígenas dentro das instituições, o seu cumprimento é visto como o principal desafio. Para Jonise Santos, docente há 22 anos da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), um dos pontos que mais merecem destaque para a existência real e eficaz desse modelo de ensino é a formação.

“Se não há formação de qualidade ou orientações sobre direitos e, ainda, sobre metodologias específicas, todo o processo será equivocado. Com isso, a escola, que deveria ser um instrumento de resistência e de luta, continua sendo um instrumento de integração a sociedade nacional”, comenta a educadora, que faz parte do time de consultores da Makira E’ta, uma das sete organizações que compõe o Projeto SETA. A ONG é formada por uma Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas e abrange os 62 municípios do Estado, localizado na região norte do país.

De acordo com Jonise, o repertório de prejuízos sofridos com o não cumprimento do modelo de educação indígena é extenso. “O dano é incalculável. Do povo, do país e do mundo, por perderem uma língua tradicional indígena e, também, prejuízos em termos de resistência, que impacta diretamente à autoestima das pessoas, por não ter uma língua. Quando morre uma língua, não morrem só palavras, morre conhecimento, que são falados somente naquele idioma. São conhecimentos que vão nos ajudar na sociedade e na perspectiva da saúde”, enfatiza a professora.

Rede de Mulheres

Ainda dando os primeiros passos, a atuação da Makira E’ta é fundamental na luta para a implementação do modelo de educação indígena. “Durante os encontros, abordamos a importância da participação das mulheres nas organizações de educação escolar indígena, tanto no estado como nos municípios. Nosso objetivo principal é inserir o olhar materno na educação”, salienta Alva Tukano, professora e membro da ONG.

De acordo com a educadora, as instituições de ensino públicas e privadas ainda têm preconceito com alunos indígenas e, para mudar esse cenário, é necessário realizar uma formação continuada sobre educação antirracista com os professores e gestores escolares. “Algumas pessoas que ocupam as instituições de ensino não enxergam a diversidade e, por isso, temos dificuldade em implementar a educação antirracista. Antes de tudo, é importante aceitar que existe o outro, que há várias pessoas ao nosso redor, com diferentes histórias de vida”, destaca a educadora.

Princípios para a educação indígena

Comunitarismo, Interculturalidade crítica, Diferenciação, Especificidade e Aspecto linguístico. São esses os cinco princípios para a educação escolar indígena, assegurados pela Constituição Federal Brasileira de 1988, e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96). “Esses princípios precisam ser todos cumpridos na escola. Mas, se fizéssemos uma pesquisa, por exemplo, poucos professores, por ministrarem a aula sem formação específica, não cumprem, apenas fazem uma reprodução do que a escola não-indígena faz. Dessa forma, a Aldeia, não se liberta desse modelo de escola opressor, negacionista, excludente e, assim, o modelo de educação indígena não é criado. Então, não se tem o respeito pela comunidade e pelos conhecimentos tradicionais”, diz Jonise Santos.

A estudante do quinto período de biologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Mayara Sateré, destaca a importância de projetos como o SETA na luta pela garantia dos direitos da formação escolar indígena. “É relevante construirmos não apenas uma educação antirracista entre os que sofrem o racismo, mas, principalmente, para a sociedade como um todo. Por meio da educação há transformação social, portanto, além de indígenas e negros, os não indígenas e os brancos necessitam de uma educação antirracista, e está só pode ser democrática se for adotada como modelo de educação pública”, comenta a estudante. Para Mayara, o racismo é um dos principais pilares que causam as dificuldades entre os povos originários. “Por meio do racismo nos matam, nos marginalizam e nos tiram o direito de ter educação de qualidade”, comenta Mayara

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O racismo estrutural no Brasil tem dificultado, de forma sistêmica, o acesso ao direito a uma educação pública igualitária e de qualidade pelos estudantes negros, quilombolas e indígenas. A qualidade da educação que as crianças recebem no Brasil é profundamente segmentada por status racial e socioeconômico. E, hoje, identifica-se que as lacunas entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, em todos os indicadores da educação básica, são persistentes e mais graves para jovens de 11 a 17 anos. Crianças e jovens negros, quilombolas e indígenas são os mais propensos a abandonar a escola, têm maiores taxas de exclusão e menor nível educacional. Portanto, a eles são destinados os empregos de menor prestígio e salários mais baixos quando adultos. Enquanto isso, os alunos brancos internalizam as desigualdades raciais a que são expostos nas escolas e as replicam quando adultos. Quando se observa os indicadores de aprendizagem, conclui-se também que não há apenas mais barreiras de acesso à escola para crianças negras, quilombolas e indígenas, mas, que uma vez na escola, essas crianças são menos propensas a acessar à educação de qualidade.

O Projeto SETA busca realizar ações transformadoras com base em evidências resultantes de estudos que ajudam a compreender a complexidade das relações raciais no país e as problemáticas delas decorrentes que precisam ser enfrentadas. Neste sentido, prevê uma série de estudos com recortes nacional e regionais em seus territórios de intervenção, especialmente no Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo é mapear a percepção da sociedade em geral, de profissionais da educação e estudantes sobre o racismo, as desigualdades raciais em geral e na educação, a efetividade das políticas de combate ao racismo, as lacunas de ferramentas e metodologias para fomento à equidade racial e as estratégicas bem-sucedidas e boas práticas nacionais e internacionais que podem inspirar ações de valorização da diversidade e das diferenças e de mitigação das desigualdades, especialmente na área de educação.

1) Pesquisa bianual de mapeamento de público sobre percepções do racismo pela sociedade brasileira.
2) Grupos focais bianuais sobre percepções do racismo pelas comunidades escolares.
3) Monitoramento e avaliação dos indicadores educacionais com análise dos indicadores da educação com foco em raça, gênero e território.
4) Estudos liderados pelas organizações que compõem o Projeto SETA sobre “educação escolar indígena”, “educação escolar quilombola”, “trajetória educacional de meninas negras”, “juventude negra, educação e violência”, “impacto da reforma do ensino médio no aprofundamento das desigualdades educacionais” e “construção participativa de indicadores e diagnóstico sobre qualidade na educação e relações raciais”.
Todas essas produções são/serão disponibilizadas publicamente para auxiliar a sociedade na construção de narrativas qualificadas, com base no retrato da realidade, em defesa da equidade racial na educação, além de orientar ações do projeto.

O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.