Postado em: 12 outubro, 2023

Em parceria com a Folha de São Paulo, Projeto SETA e Peregum realizam o encontro “Comunicação antirracista em Pauta”

Evento reuniu comunicadores,  profissionais da imprensa e pesquisadores

Na manhã do dia 10 de outubro, a sede da Folha de São Paulo, localizada em Campos Elíseos – SP, São Paulo, recebeu o evento “Comunicação antirracista em pauta”. O encontro reuniu profissionais da comunicação e pesquisadores a fim de analisar o papel dos veículos de comunicação na divulgação do estudo “Percepções do racismo no Brasil”, lançado em julho, bem como promover o diálogo sobre as estratégias e os desafios da construção de uma comunicação com um olhar crítico para as questões étnicos-raciais.  A ação, promovida pelo Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) e pelo Instituto de Referência Negra Peregum, teve o apoio da Folha de São Paulo.

A mediação foi realizada por Naiara Evangelo e Midiã Noelle, assessora de comunicação e consultora do SETA, respectivamente. A mesa de convidados contou com a presença de Flávia Lima, editora de Diversidade da Folha de S. Paulo, Maurício Pestana, CEO da Revista Raça, Priscila Tapajowara, coordenadora do portal Mídia Indígena, Ronaldo Matos, cofundador e editor do portal “Desenrola e não me enrola”, e Vinícius Martins, cofundador do portal Alma Preta. Ana Paula Brandão, gestora do Projeto SETA e diretora programática na ActionAid, e Márcio Black, coordenador de projetos do Instituto de Referência Negra Peregum, representaram as organizações responsáveis pela pesquisa.

Aparições na imprensa e oOportunidades de diálogos através da imprensa

Ao longo de todo o primeiro semestre de 2023, as equipes de comunicação das duas organizações se empenharam no desenvolvimento de estratégias para que os dados do estudo chegassem para o maior número de pessoas, e a imprensa foi uma grande aliada nesse sentido. Ao todo, o assunto “Pesquisa Percepções do Racismo no Brasil”, apareceu em, pelo menos, 500 publicações na imprensa, incluindo os principais veículos do país.

Nos primeiros momentos do encontro, Naiara Evangelo trouxe para a conversa um dos dados inéditos expostos pelo levantamento: “Cerca de 44% da população aponta que o racismo é o principal fator da desigualdade social”. Para a assessora, esse é um reconhecimento considerado relevante. Márcio Black, do Peregum, mencionou como um dos pontos que lhe chamou atenção, durante a campanha de divulgação do estudo, o fato de poucas vezes ter sido entrevistado por repórteres negros. “Com isso, vi o quanto o jornalismo brasileiro carece de profissionais negros ocupando esses espaços e, também, a importância do letramento racial”, comentou Black.

Já Ana Paula Brandão, fez uma análise considerando a desenvoltura dos veículos de imprensa diante da temática. “A pesquisa nos trouxe uma experiência bastante interessante, pois experimentamos a oportunidade de dialogar com os principais veículos de imprensa do país e, com isso, enxergar o outro lado. Uma das percepções, foi entender que a temática gera curiosidade, pois é resultado do que a população vive. Esse indicador mostra que há muito espaço para continuarmos esse diálogo e pensarmos numa estratégia mais persistente e profunda de comunicá-lo”, salientou a profissional.

Imprensa Negra no Brasil 

Agosto foi marcado pela celebração dos 190 anos da imprensa negra do país. No mesmo mês, o portal Alma Preta lançou o “Manual de Redação: o jornalismo antirracista a partir da experiência da Alma Preta”, que busca auxiliar jornalistas e comunicadores na cobertura da temática no Brasil. Durante sua participação no encontro, Vinícius Martins, cofundador do Portal, compartilhou que elaborar o manual, hoje, é colocar a história na perspectiva do que é a imprensa no Brasil. “Se pensarmos que essa imprensa surge ligada a ideais de uma dominação de classe e política, num cenário escravista, acredito que essa publicação é uma expressão muito potente de como podemos fazer uma reparação da história do Brasil”, comentou.

Durante a intermediação das conversas da segunda mesa, Midiã Noelle, consultora do SETA, citou o livro da escritora brasileira Ana Flávia Magalhães Pinto: “Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista”, a obra é um retrato da imprensa negra brasileira. “O que estamos fazendo aqui, hoje, é a continuação do trabalho que nomes como, José do Patrocínio, Machado de Assis e Luís Gama já realizaram, por isso, temos uma importante missão de continuidade”.

Para Ronaldo Matos, do “Desenrola e não me enrola”, é interessante pensar o motivo de nascer um veículo focado na mídia negra e periférica. O profissional, filho de jornaleiro, passou grande parte da sua infância dentro de uma banca de jornal com o seu pai. “Tive a oportunidade de acompanhar o processo de desenvolvimento do jornalismo brasileiro, quando a morte da população negra era um dos principais produtos da área”. Essa experiência, segundo relatou Matos, foi um importante ponto de partida para perceber o papel do jornalismo na maneira de moldar a opinião pública, não só pela razão, mas pela emoção, pelo ódio ou, simplesmente, pela ausência de direitos e percepções. “Nesse contexto, vimos a possibilidade de produção de conhecimento que destoava da mídia brasileira, pois existia uma outra periferia a ser retratada, assim como uma perspectiva de vida diferente para ser registrada e, assim, construir memória”, comentou.

Em sua participação, Maurício Pestana, CEO da Revista Raça, a primeira do Brasil com conteúdo relacionado à cultura afro, comentou as estratégias que utiliza para que a publicação se mantenha em um lugar relevante. “Buscamos ser um veículo direcionado para a população negra, mas com uma linguagem mais universal. Até porque, essas pessoas foram acostumadas com um tipo de informação mais generalista. Quando chegamos com conteúdos mais específicos, por exemplo, muitas vezes, temos que traduzi-los”, disse. Apesar da abordagem mais direcionada, Pestana compartilhou que uma das perspectivas é, também, nunca pensar em um termo nichado ou “guetalizado”, pois estão falando para 56% da população brasileira. O CEO tem mais de 20 anos de experiência em grandes empresas de jornalismo e tenta implementar estratégias tanto de comunicação como de negócios na Raça. “Se o objetivo é dialogar com mais da metade da população talvez tenhamos que falar como a grande mídia, que consegue. É uma premissa que vai desde a comunicação diária, com o público, até nos negócios”, afirmou.

Mídia Indígena 

Com a ausência de representatividade nos grandes jornais, assim como a cobertura nos territórios, um grupo de jovens indígenas do Maranhão se juntou, a partir de uma formação audiovisual, em 2015, com a finalidade de serem os porta-vozes dos povos indígenas. A proposta era  que pudessem ocupar as mídias sociais e outros meios de comunicação, de modo a noticiar para as pessoas que estão na cidade, mas também levar as questões que acontecem fora do território para dentro dele. Com isso, nasceu o portal Mídia Indígena, o maior veículo de comunicação formado por indígenas no Brasil.

“No período da pandemia foi muito importante, pois enquanto a grande mídia estava preocupada em noticiar os acontecimentos nas cidades, os territórios, além de sofrerem por conta dos vírus, enfrentavam o aumento das invasões por parte dos madeireiros e garimpeiros”, comentou Priscila Tapajowara, coordenadora do Mídia Indígena. Segundo a fotógrafa, por mais que o grupo não tivesse o conhecimento técnico presentes nas formações de ensino superior, como quem passa por formação no Ensino Superior, o trabalho foi fundamental para expor os fatos ocorridos dentro dos territórios.

Uma matéria publicada pelo Projeto SETA, no ano passado, abordou os desafios enfrentados pela Educação Indígena no Brasil. Entre inúmeras questões, a situação das instituições de ensino chamou atenção. De acordo com dados do Censo Escolar de 2021, o Brasil tem 3.466 escolas indígenas. Dessas, 30% não têm energia e 63%, água potável. Outro problema é o acesso à internet: o estudo mostrou que o recurso para esses alunos praticamente não existe, esse acesso está disponível somente para 10% dos colégios localizados em aldeias.

Se o acesso à educação básica sofre precariedades, o direito ao Ensino Superior se torna um desafio ainda maior. Segundo Priscila, diversos jovens indígenas têm o desejo de se tornarem profissionais da comunicação, mas sair do território para a cidade é muito difícil, não só pela questão financeira, como também preconceituosa. “Nos veículos de grande mídia, por exemplo, não há indígenas. Por isso precisamos, ainda, lutar para entrar nesses espaços”, ratificou a comunicadora no evento.

Grande mídia 

A Folha de São Paulo, um dos principais veículos de imprensa do país e com mais de um século de atuação, tem, desde 2019, uma Editoria de Diversidade. “Ela foi criada a partir de uma percepção que o veículo precisava refletir de uma maneira mais aprofundada esses tipos de problemas, assim como os aspectos positivos, ligados à população negra, questões de gênero e orientação sexual”, explicou Flávia Lima durante sua fala. De acordo com a jornalista, para que uma editoria com essa temática dê certo, dentro de um veículo como a Folha, ela não pode funcionar nos moldes comuns. “Quando comentamos, a impressão das pessoas é que questões relacionadas ao tema são concentradas em um grupo específico, porém não é assim que funciona. Nossa editoria coordena as iniciativas do jornal com relação à diversidade e todas as outras entendem que o tema é relevante. O que significa um avanço, pois esses assuntos, historicamente, estiveram concentrados em editorias específicas dos grandes jornais, como esporte, cultura ou policial”.

Encomendado ao IPEC pelo Projeto SETA e Instituto Peregum, o levantamento inédito, “Percepções do Racismo no Brasil” foi lançado em julho e constatou que 81% da população considera o Brasil um país racista, e que o racismo é o principal fator gerador de desigualdade. A mostra entrevistou cidadãos de 127 municípios brasileiros das cinco regiões do país durante o mês de abril de 2023. O sumário executivo da pesquisa está disponível através do link.

Voltar

Central de Ajuda

Reunimos em categorias as respostas para as suas principais dúvidas. É só clicar no assunto que procura para filtrar as perguntas já respondidas.

O racismo estrutural no Brasil tem dificultado, de forma sistêmica, o acesso ao direito a uma educação pública igualitária e de qualidade pelos estudantes negros, quilombolas e indígenas. A qualidade da educação que as crianças recebem no Brasil é profundamente segmentada por status racial e socioeconômico. E, hoje, identifica-se que as lacunas entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, em todos os indicadores da educação básica, são persistentes e mais graves para jovens de 11 a 17 anos. Crianças e jovens negros, quilombolas e indígenas são os mais propensos a abandonar a escola, têm maiores taxas de exclusão e menor nível educacional. Portanto, a eles são destinados os empregos de menor prestígio e salários mais baixos quando adultos. Enquanto isso, os alunos brancos internalizam as desigualdades raciais a que são expostos nas escolas e as replicam quando adultos. Quando se observa os indicadores de aprendizagem, conclui-se também que não há apenas mais barreiras de acesso à escola para crianças negras, quilombolas e indígenas, mas, que uma vez na escola, essas crianças são menos propensas a acessar à educação de qualidade.

O Projeto SETA busca realizar ações transformadoras com base em evidências resultantes de estudos que ajudam a compreender a complexidade das relações raciais no país e as problemáticas delas decorrentes que precisam ser enfrentadas. Neste sentido, prevê uma série de estudos com recortes nacional e regionais em seus territórios de intervenção, especialmente no Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo é mapear a percepção da sociedade em geral, de profissionais da educação e estudantes sobre o racismo, as desigualdades raciais em geral e na educação, a efetividade das políticas de combate ao racismo, as lacunas de ferramentas e metodologias para fomento à equidade racial e as estratégicas bem-sucedidas e boas práticas nacionais e internacionais que podem inspirar ações de valorização da diversidade e das diferenças e de mitigação das desigualdades, especialmente na área de educação.

1) Pesquisa bianual de mapeamento de público sobre percepções do racismo pela sociedade brasileira.
2) Grupos focais bianuais sobre percepções do racismo pelas comunidades escolares.
3) Monitoramento e avaliação dos indicadores educacionais com análise dos indicadores da educação com foco em raça, gênero e território.
4) Estudos liderados pelas organizações que compõem o Projeto SETA sobre “educação escolar indígena”, “educação escolar quilombola”, “trajetória educacional de meninas negras”, “juventude negra, educação e violência”, “impacto da reforma do ensino médio no aprofundamento das desigualdades educacionais” e “construção participativa de indicadores e diagnóstico sobre qualidade na educação e relações raciais”.
Todas essas produções são/serão disponibilizadas publicamente para auxiliar a sociedade na construção de narrativas qualificadas, com base no retrato da realidade, em defesa da equidade racial na educação, além de orientar ações do projeto.

O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.