Postado em: 26 março, 2025
Escola Municipal carioca projeta ser modelo para ensino de educação antirracista

Em diferentes disciplinas, os estudantes têm acesso a aprendizados sobre as culturas africana e afro-brasileira na escola
A Lei 10.639/2003 torna obrigatório o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira no currículo escolar. No entanto, apesar da existência da legislação, sua implementação ainda enfrenta desafios que envolvem todo o ecossistema escolar. Além das escolas, as secretarias municipais e estaduais de educação desempenham um papel central na definição de diretrizes, alocação de recursos e formação contínua dos profissionais da educação. Da mesma forma, a participação ativa de gestores, educadores, estudantes e seus familiares é essencial para garantir a efetividade desse processo.
Na contramão desse cenário preocupante, a Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado, localizada em Cordovil, bairro da Zona Norte carioca, faz um excelente trabalho no que tange, também, a implementação da Lei 10.639/2003. Com pouco mais de 300 alunos, divididos entre o 6º e o 9º ano do Ensino Fundamental, a entidade tem como projeto ser uma instituição modelo para ensino da educação antirracista.
“A educação antirracista é a criação de pedagogias que enfrentam discriminações elaboradas com o intuito de educar para as relações étnico raciais. Além disso, tem o objetivo de que as pessoas negras tenham orgulho de suas ancestralidades, de seus saberes intelectuais e de suas lutas. Por outro ângulo, que os brancos possam compreender a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver e de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. É urgente incluir os valores civilizatórios nos currículos escolares e enfrentar o mito de que somos todos iguais“, comenta Mônica Aniceto, professora de português da escola.
Para Luciana Ribeiro, especialista em educação do Projeto SETA, as práticas pedagógicas antirracistas precisam estar acompanhadas de uma formação docente e de gestão, com a finalidade de o debate ser enfrentado de forma responsiva dentro da escola. “As Diretrizes Curriculares de Educação para as relações étnico-raciais (ERER) e o Plano Nacional para ERER trazem orientações com essa finalidade. Neste sentido, entendemos que outro passo importante para pensarmos práticas antirracistas no cotidiano escolar é por meio do conhecimento, ou seja, alterarmos as representações dos conteúdos que sempre apresentam histórias de conquistas e vitórias relacionadas a um grupo social que é o espelho da colonização e tem o branco como referência”, reforça a especialista.
Aprovações em escolas federais e estaduais
O bom trabalho desenvolvido por todo o corpo docente da escola conquista bons frutos. Em 2024, a Escola Municipal Embaixador Barros Hurtado teve 43 aprovações em instituições federais e estaduais, como Pedro II, FAETEC, CEFET, Instituto Federal do Rio de Janeiro e Escola SESI. Os resultados positivos plantam, no coração da professora Mônica Aniceto, expectativas de um futuro melhor. “Essas crianças moram em Cordovil ou nas proximidades. Isso não pode ser considerado trivial. O bairro só aparece na televisão por causa da violência que o cerca. No entanto, esses alunos têm tudo para conquistar avanços em prol de uma sociedade mais igualitária. Não tenho dúvidas de que estamos entregando cidadãos conscientes e críticos”, comenta a educadora.
De acordo com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), de 2023, a rede municipal do Rio de Janeiro alcançou os melhores resultados da série histórica. O crescimento entre 2021 e 2023, nos Anos Iniciais, foi o maior aumento registrado entre as avaliações desde 2009. O Indicador mede a qualidade da educação no Brasil.
Entretanto, apesar dessas melhorias, o ensino municipal carioca ainda enfrenta desafios. “Quem faz os índices acontecerem são os alunos, porém, se não pensarmos em quem são os produtores deles não os alcançaremos. Quando lutamos pela equidade, lutamos pela diversidade de pensamentos e histórias. Além disso, a qualidade do ensino passa pela qualidade de vida do professor do chão da escola. É necessário fazer ações concretas que protejam a saúde física e mental do educador”, diz Mônica.
A escola como um jardim de possibilidades
O pensamento da ativista antirracista americana, bell hooks, descreve perfeitamente os trabalhos desenvolvidos pelas professoras Elisabete Macedo e Clarissa Raso, docentes das disciplinas de espanhol e ciências, respectivamente.
Durante as aulas de espanhol, por exemplo, Elisabete, que tem mais de duas décadas de profissão, apresenta aos estudantes personalidades negras e indígenas da cultura Hispano-americana, além de políticos, literários e artistas. “Durante os encontros, percebemos que os alunos se identificam mais com as histórias de vida dos personagens apresentados. Com isso, notamos que eles passam a ter mais orgulho de si mesmos”, comenta a educadora, que tem a expectativa de os alunos desenvolverem uma consciência crítica sobre os diversos corpos e culturas que compõem a população brasileira.
Professora da disciplina de ciências, Clarissa Raso, usa a criatividade para incluir a temática em suas aulas. “Sempre que um tema pode ser contextualizado com a história, a cultura, os costumes e as contribuições afro-brasileiras, procuro integrá-lo às minhas aulas. Ao abordar astronomia, incluo contos, narrativas e descobertas realizadas por povos africanos e indígenas. No ensino de evolução, trabalho a origem da humanidade no continente africano, explorando as características físicas e genéticas que explicam a adaptação e sobrevivência dos diferentes grupos populacionais ao redor do mundo. Já em botânica, exploramos o conhecimento sobre plantas medicinais, investigando seu uso tradicional e sua relevância até os dias atuais, reconhecendo a importância dos saberes ancestrais”, explica.
Atores importantes
O estudante Izaac Márcio Feitosa, de 14 anos, aluno do 9º ano do Ensino Fundamental, avalia o trabalho desenvolvido na escola como necessário para que possam compreender o racismo, como ele se estrutura e como começou. Dessa forma, será possível combatê-lo. “Mesmo que seja dever de uma escola ser antirracista ou contra qualquer tipo de preconceito, me sinto privilegiado por ter acesso à educação antirracista, pois sei que a maior parte dos colégios não possuem projetos importantes como os que temos aqui”, comenta o aluno.
Por fim, a professora Mônica Aniceto destaca que uma educação antirracista estruturada na equidade possibilita aos alunos entenderem que eles são os atores mais importantes dentro daquele espaço. “Eles compreendem que tudo ali foi feito para eles e por eles. O aluno negro se sente em um ambiente que poderá lhe trazer benefícios e o aluno branco entende seus privilégios. Esse movimento traz responsabilidades e desejo de mudanças concretos”, finaliza.