Postado em: 31 março, 2022
Registros do seminário “Seta Caminhos Possíveis”
SEMINÁRIO SETA ABORDA A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA NO BRASIL
(foto e legenda) Abertura do evento contou com a presença de profissionais da educação, comunicação e juventude. Fotos: Gabriella Maria/Divulgação Projeto Seta
No dia 17 de março (quinta-feira), o Museu do Amanhã, localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, recebeu a abertura oficial e o lançamento do conselho consultivo – Seminário “Seta – Caminhos Possíveis: por uma educação antirracista no Brasil”, promovido pelo Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista). Pensado para a sociedade civil, o evento fez parte da campanha de lançamento do Projeto SETA, que tem como foco a construção de um sistema de educação pública.
Participaram do encontro, Ana Paula Brandão, diretora programática da ActionAid Brasil, Ton Purificação, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), Jefferson Barbosa e Raull Santiago, do PerifaConecction, Socorro Elias, da Makira E’ta, Tânia Portella, do Geledés – Instituto da Mulher Negra, Adriana Moreira, da Uneafro Brasil, Denise Carreira, da Ação Educativa, Andrey Cordeiro Ferreira, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Alexsandro Santos, da Escola de Parlamento da Câmara Municipal de São Paulo e Marcelle Fossard, da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. Com mediação de Midiã Noelle, coordenadora de comunicação do Projeto, o encontro abordou temas ligados à pauta educacional e antirracista. Iniciando as falas, Ana Paula Brandão, da ActionAid Brasil, agradeceu a presença dos participantes e ratificou a importância de a iniciativa contar com o incentivo da população em geral. “Se quisermos construir uma educação antirracista, precisamos de todos! Não vai ser uma tarefa cumprida por um determinado grupo ou pessoa. É um dever e obrigação dos brasileiros e precisamos convidá-los a participar de toda a ação”, salientou a diretora.
Ao longo de toda a manhã, os/as convidados/as da mesa puderam trazer suas experiências, tanto profissionais, ligadas ao campo da educação, como pessoais. Andrey Cordeiro Ferreira, professor da UFRRJ, trouxe para a conversa a importância que as instituições de ensino têm na articulação do processo de desconstrução das práticas discriminatórias, principalmente, de cunho racista, que ainda, de acordo com ele, estão entranhadas na educação. Já Tânia Portella, do Geledés, apresentou dados do estudo “A educação de meninas negras em tempos de pandemia”, realizado em 2021, pelo Geledés, e apontou aumento da desigualdade no acesso à educação entre meninas negras e brancas. Para Tânia, a ação que o Projeto SETA está empenhando em alcançar, deve levar aos currículos as questões que não são vistas. Alesxandro Santos abordou, durante sua fala, o investimento que existe atualmente na educação antirracista. “O financiamento da educação antirracista hoje, apesar do aumentado no volume dos recursos disponíveis, ainda é atravessado pelo racismo estrutural. As escolas onde os adolescentes e crianças negras estão são as mesmas que recebem menos investimento, então, elas têm mais problemas de infraestrutura, por exemplo. Não adianta boas intenções se o financiamento da educação não as segue”, disse.
Dez anos da lei de cotas no Brasil
A Lei nº 12.711, sancionada em agosto de 2012, foi criada pelo Governo Federal para contemplar os estudantes de escolas públicas, de baixa renda, negros, pardos, indígenas e pessoas com deficiência (PcD) para auxiliar o ingresso no Ensino Superior. Jefferson Barbosa, do PerifaConnection, chamou atenção para os dez anos da lei e trouxe como exemplo um dado sobre a quantidade de negros no Ensino Superior, em 1997, citado na canção “capítulo 4, versículo 3”, dos Racionais Mc’s: nas universidades brasileiras, apenas 2% dos alunos são negros. “De lá pra cá, graças ao movimento negro e as cotas raciais, esse dado mudou bastante, por isso, é importante celebrar olhar para a conquista do movimento, porque isso também é parte de uma educação antirracista”, declarou Barbosa.
Educação indígena
A Constituição Federal Brasileira, de 1988, assegurou às comunidades indígenas o direito a uma educação diferenciada, específica e bilíngue, porém, mesmo sendo lei, a Educação Escolar Indígena, ainda é um grande desafio. “Quando falamos em educação antirracista, esse termo para a maioria das populações é desconhecido. É como a questão do feminismo. Ainda é um tabu para a população Indígena”, comentou Socorro Elias, da Makira E’ta, que também abordou a questão do ensino bilíngue para a mesma população. De acordo com a educadora, dentro dos 62 municípios no Amazonas, nem todos os professores são formados para trabalhar uma segunda língua. “É difícil por ser muitos povos. Para isso, precisamos de professores capacitados, formados para levar essa educação. Parece que o indígena não existe dentro da cidade. Ele é apagado e querer apagar a sua raça a sua etnia, são esses desafios que temos para enfrentar”, declarou Socorro. Já Ton Purificação, representante do CONAQ, comentou sobre adversidade que existe do país com a legislação. “A LDB obriga o ensino de cultura afro e indígena, mas precisamos criar estratégias como a do SETA para que discussão chegue nas pontas para as nossas crianças e jovens”.
Fortalecimento da juventude
A pesquisa “Tiros no Futuro: impactos da guerra às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro”, realizado pela Campanha Drogas: Quanto Custa Proibir, mostrou que 74% de escolas municipais vivenciaram tiroteio no entorno em 2019. O perfil dos alunos, de acordo com o estudo, em grande parte (77%), é de negros nas escolas mais expostas à violência. Um dos representantes do PerifaConnection, Raull Santiago, falou sobre as soluções criadas pela juventude negra e periférica inserida nesse cenário de violência “Somente no complexo do Alemão e Penha, onde vivo, tiveram diversos tiroteios só nesses três primeiros meses do ano e já passam mais de dez os dias que as escolas ficaram fechadas e os alunos ficaram sem aulas. E, com isso, elas vão criando suas próprias soluções. Devemos pensar o que essas juventudes podem nos ensinar nesse cenário. Já temos inserido no dia a dia a violência racista, principalmente, quando falamos de crianças, negras e periféricas. O que temos que fazer é fortalezar essa juventude Pensar o tempo inteiro em como podemos provocar esse poder público para virar essa chave de existência”, apontou Santiago.
Durante o momento final do evento, Midiã Noelle, fez a seguinte pergunta para os participantes da mesa: quais os maiores desafios para que a sociedade possa alcançar um sistema pública de educação antirracista no Brasil? Emocionada, Socorro Elias falou sobre a importância de levar a educação antirracista para as bases. “Se nós não começarmos a passar para as nossas crianças, quem vai falar?”. Para ela, o primeiro passo é dentro de casa, incentivando os nossos jovens a fazerem parte desse movimento e, assim, poderem cobrar das políticas públicas.
Para encerrar a mesa, Ana Paula Brandão fez menções em homenagem a vereadora Marielle Franco e ao Anderson Gomes, assassinados no dia 14 de março de 2018. “Marielle presente, sempre!”. E, também, menção em memória a intelectual negra e ativista do campo da educação para as relações raciais e de gênero, Azoilda Loreto da Trindade. “Nossa mestra que está em tudo que a gente faz”.