Artigos | Postado em: 24 julho, 2024

Pelo direito à educação pública de qualidade com equidade de gênero e raça

Dandara Oliveira e Claudia Cruz, Articulação e Advocacy do Projeto SETA, iniciativa correalizada pela ActionAid

O racismo no Brasil está impedindo estudantes negros, indígenas e quilombolas de acessarem seu direito a uma educação pública de qualidade e com equidade. O Brasil, berço da maior diáspora do mundo, com 56% de sua população afrodescendente, carrega consigo as cicatrizes de quase quatro séculos de escravidão. Essa herança histórica dos quase 400 anos do sistema escravista, não apenas moldou as estruturas sociais, políticas e econômicas do país, mas também alimenta um sistema de racismo estrutural que permeia cada aspecto de nossas vidas.

A despeito dos avanços conquistados, como as leis 10.639/2003 e 11.645/2008 que incluem história africana e indígena no currículo escolar, as respectivamente, as cotas nas universidades e as diretrizes de educação quilombola e indígena, a realidade é que a educação ainda é um campo marcado por desigualdades profundas e persistentes.

Os números revelam uma realidade alarmante e inaceitável. Destacamos a disparidade de renda, em que mulheres negras têm uma renda média de R$1781, enquanto mulheres não-negras têm R$2858. Em relação aos homens, os homens negros têm R$2230, e homens não-negros têm R$3793 de renda média (IBGE, 2023). No que tange a representatividade política, apenas 26% dos 513 deputados federais atuantes em 2023 eram negros. Sobre violência, pessoas negras representam 77,1% das vítimas de homicídios no Brasil (Atlas da Violência, 2023). 

E quando se fala na realidade nos afazeres domésticos, dados de 2022 revelam que 91% das mulheres realizaram alguma atividade relacionada a afazeres domésticos, essa proporção foi 79% entre os homens. A análise por cor ou raça, nesse quesito, evidencia que pessoas pardas (17,4 horas) e pretas (17,1 horas) dedicaram mais tempo a tais atividades que as brancas (16,5 horas). (PNAD, 2022)

Na luta por uma sociedade mais justa e igualitária, o Projeto SETA (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista) emerge na união de forças das organizações ActionAid, Ação Educativa, Geledés, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, CONAQ, UNEafro Brasil e Makira-E’ta. Juntas, essas entidades lançam esse artigo, que nasce como um manifesto para Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU, que aconteceu em Genebra, na Suiça, entre os dias 16 e 19 de abril, com o intuito de ser contundente sobre a urgência da necessidade de transformações profundas em nosso sistema educacional.

Realidade Educacional no Brasil com Recorte Racial:

A realidade enfrentada pelos afrodescendentes e indígenas no sistema educacional brasileiro nos revela, através de dados, o quanto o racismo e a discriminação ainda estão presentes nas estruturas educacionais. O que configura o impedimento de exercer o direito humano, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos que fez 75 anos em 2023 e constitucional de acesso a uma educação de qualidade, assegurado na Constituição brasileira.

Destacamos aqui que a taxa de analfabetismo entre pessoas pretas ou pardas é alarmante, atingindo 7,1%, enquanto entre pessoas brancas é de apenas 3,2% (PNAD Educação, 2023). Quando olhamos para os dados de desocupação, há muitos jovens que não estudam nem trabalham, cerca de 10,9 milhões. Esse dado revela uma disparidade significativa entre grupos étnico-raciais, com proporções mais altas entre mulheres negras ou pardas e homens negros ou pardos (IBGE, 2023).

No que tange a questão da violência na escola, a percepção de racismo é alta entre os jovens, com 64% considerando a escola o ambiente onde mais experienciam essa violência, como demonstra a pesquisa Percepções sobre o Racismo no Brasil de 2023. Aqui destacamos esse estudo, encomendado pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto SETA ao IPEC, que também apontou que mulheres pretas são as que mais percebem que raça/cor é o principal motivador de violência nas escolas (63%) e que nos espaços da educação básica, as pessoas pretas foram as que mais vivenciaram agressão física, 29%.

Quando analisamos dados de conclusão e evasão escolar, os dados da PNAD Educação 2023 mostram que a conclusão do ensino médio e a evasão escolar são mais frequentes entre jovens pretos ou pardos, destacando a falta de acesso a escolas de qualidade, especialmente nas áreas de ciências (Censo Escolar, 2023).

No contexto da educação inclusiva, apesar de representarem uma parcela significativa da população com deficiência, as mulheres negras enfrentam maior dificuldade de acesso à educação pública ou privada (Relatório CERD Brasil, 2022). Quando olhamos para educação quilombola, apenas uma pequena porcentagem de docentes de escolas quilombolas recebeu capacitação em temas relacionados à educação das relações étnico-raciais e cultura afro-brasileira e africana, evidenciando a falta de inclusão dessas temáticas na educação (Censo da Educação Básica, 2020).

Recomendações do Projeto SETA:

Esses e outros dados sobre a realidade da educação brasileira demonstram que ainda há um longo caminho a ser percorrido para alcançar a equidade racial na educação no Brasil. É necessário implementar políticas e ações que combatam o racismo estrutural presente no sistema educacional e que garantam o direito de todas as crianças afrodescendentes a uma educação de qualidade.

Diante disso, o Projeto SETA destaca entre as suas recomendações ao Fórum Permanente de Afrodescendentes da ONU e compartilha com a sociedade brasileira a necessidade de incluir um olhar interseccional, que considere a sobreposição de atravessamentos sociais que definem a identidade de cada cidadão, sobre as demandas e necessidades na educação de meninas e meninos negros; incluir a perspectiva de inclusão e acessibilidade em todas as temáticas abordadas, especialmente na educação e, por fim, realizar um olhar mais aprofundado sobre a situação educacional da população afrodescendente e suas consequências a longo prazo.

Por meio deste, informamos que uma das recomendações feitas pelo SETA à ONU em seu manifesto foi atendida, sendo ela o pedido de visita ao Brasil da Relatora Especial sobre formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata. Entendemos que a visita ao Brasil dos mecanismos de direitos humanos da ONU relacionados com o combate ao racismo e ao direito à educação é de extrema importância para que tenhamos mais dados, cobertura da mídia e recomendações ao governo brasileiro, que a sociedade civil pode usar como instrumento de incidência e de cobrança na melhoria do acesso e da efetividade dos direitos humanos pela população negra, quilombola e indígena. 

Encerramos, reforçando que o compromisso do Projeto SETA é claro e inabalável: lutar incessantemente pela equidade racial na educação. Este artigo, que nasce manifesto, é um chamado para uma transformação profunda, colaborativa e urgente em todo o sistema educacional brasileiro. Agindo em conjunto, podemos fazer a diferença e construir um futuro mais justo, inclusivo e equitativo para toda a população brasileira.

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Meninas e jovens mulheres negras, indígenas e quilombolas transformam as comunidades e a cultura escolar para que sejam antirracistas e equitativas. Entendemos, portanto, que o lugar da menina negra, indígena e quilombola é na escola. Assim, vamos atuar intencionalmente para construir um sistema educativo transformador que promova a dignidade na escola.

Educadoras(es) formadas(os) por meio de programas de capacitação inicial e continuada e apoiadas(os) com recursos educacionais e orientações de gestoras(es) de educação. Ademais, têm autonomia para incorporar práticas educativas antirracistas e não sexistas pelo reconhecimento institucional da importância dessas temáticas, com suporte material acessível e de qualidade.

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O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.