Artigos | Postado em: 23 novembro, 2023

A educação antirracista não pode mais esperar

Quando as leis vigentes serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?

Link original: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2023/06/a-educacao-antirracista-nao-pode-mais-esperar.shtml

Ana Paula Brandão

Historiadora, é diretora programática da ActionAid e gestora do Projeto SETA

Comemoram-se neste ano duas décadas e os 15 anos das leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que estabelecem, respectivamente, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena no currículo escolar. Porém, infelizmente, os maiores motivos de celebração ainda estão no papel. O marco legal é fundamental para a construção de um ecossistema de educação antirracista, mas a pergunta que fica é: quando as leis serão de fato implementadas nas escolas brasileiras?

Acompanhamos na imprensa, nos últimos meses, casos de violências simbólicas e físicas nas escolas, e pouco se discutiu o racismo como estopim de algumas situações. A violência é reportada sem uma análise da complexidade socioestrutural que a cerca, e estudantes e professores negros, quilombolas e indígenas seguem expostos em um espaço que deveria ser essencialmente de segurança.

A pesquisa “Lei 10.639/03: a atuação das secretarias municipais no ensino de história e cultura africana e afro-brasileira”, realizada pelo Geledés – Instituto da Mulher Negra e Instituto Alana, revelou que, de 1.187 secretarias municipais de Educação, apenas 5% possuem uma área especializada para abordar conteúdos educacionais de relações étnico-raciais; apenas 8% têm um orçamento dedicado à implementação da legislação; e 74% não possuem profissionais para pôr em prática o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira.

A análise geral que podemos aferir dos dados é que não há investimento financeiro e profissionais capacitados e com autonomia suficientes para a construção de um ambiente escolar democrático —ou seja, inclusivo e seguro para todos. Não há, portanto, uma institucionalização da questão étnico-racial na estrutura das secretarias de Educação.

Nesse contexto, é preciso enfatizar que a educação antirracista precisa ser também anticapacitista, ou seja, superar a crença equivocada de que algumas pessoas são mais capazes do que outras para aprender. No Brasil, cito o trabalho do movimento Vidas Negras com Deficiência Importam (VNDI) na promoção de espaços de neurodiversidade, com qualidade de vida e que inclua a deficiência na diversidade da nossa sociedade.

Para a construção de metodologias e ferramentas que consolidem esse ambiente escolar realmente transformador, ActionAid, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), Geledés – Instituto da Mulher Negra, Makira-E’ta e UNEafro Brasil se uniram em 2021 no Projeto Seta (Sistema de Educação por uma Transformação Antirracista).

Premiada no Desafio de Equidade Racial 2030 da Fundação W.K. Kellogg, a iniciativa é resultado do acúmulo das experiências dessas instituições na construção de uma educação com equidade, que pressupõe o compromisso com processos justos que respeitem e valorizem a diversidade de nossa população.

Vinte anos não são 20 dias. Já passou da hora de o Brasil implementar de fato o que foi brilhantemente desenhado pelos movimentos negros. Os episódios de violência recentes só corroboram que letramento racial nas escolas é urgente e que a educação antirracista não é mais negociável. Um país que se diz democrático só poderá receber esse título quando resgatar, valorizar e ensinar a cultura e história de todo o seu povo.

Autora: Ana Paula Brandão, historiadora, diretora programática da ActionAid e coordenadora do Projeto SETA. Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo

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O racismo estrutural no Brasil tem dificultado, de forma sistêmica, o acesso ao direito a uma educação pública igualitária e de qualidade pelos estudantes negros, quilombolas e indígenas. A qualidade da educação que as crianças recebem no Brasil é profundamente segmentada por status racial e socioeconômico. E, hoje, identifica-se que as lacunas entre crianças brancas e crianças negras, quilombolas e indígenas, em todos os indicadores da educação básica, são persistentes e mais graves para jovens de 11 a 17 anos. Crianças e jovens negros, quilombolas e indígenas são os mais propensos a abandonar a escola, têm maiores taxas de exclusão e menor nível educacional. Portanto, a eles são destinados os empregos de menor prestígio e salários mais baixos quando adultos. Enquanto isso, os alunos brancos internalizam as desigualdades raciais a que são expostos nas escolas e as replicam quando adultos. Quando se observa os indicadores de aprendizagem, conclui-se também que não há apenas mais barreiras de acesso à escola para crianças negras, quilombolas e indígenas, mas, que uma vez na escola, essas crianças são menos propensas a acessar à educação de qualidade.

O Projeto SETA busca realizar ações transformadoras com base em evidências resultantes de estudos que ajudam a compreender a complexidade das relações raciais no país e as problemáticas delas decorrentes que precisam ser enfrentadas. Neste sentido, prevê uma série de estudos com recortes nacional e regionais em seus territórios de intervenção, especialmente no Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo é mapear a percepção da sociedade em geral, de profissionais da educação e estudantes sobre o racismo, as desigualdades raciais em geral e na educação, a efetividade das políticas de combate ao racismo, as lacunas de ferramentas e metodologias para fomento à equidade racial e as estratégicas bem-sucedidas e boas práticas nacionais e internacionais que podem inspirar ações de valorização da diversidade e das diferenças e de mitigação das desigualdades, especialmente na área de educação.

1) Pesquisa bianual de mapeamento de público sobre percepções do racismo pela sociedade brasileira.
2) Grupos focais bianuais sobre percepções do racismo pelas comunidades escolares.
3) Monitoramento e avaliação dos indicadores educacionais com análise dos indicadores da educação com foco em raça, gênero e território.
4) Estudos liderados pelas organizações que compõem o Projeto SETA sobre “educação escolar indígena”, “educação escolar quilombola”, “trajetória educacional de meninas negras”, “juventude negra, educação e violência”, “impacto da reforma do ensino médio no aprofundamento das desigualdades educacionais” e “construção participativa de indicadores e diagnóstico sobre qualidade na educação e relações raciais”.
Todas essas produções são/serão disponibilizadas publicamente para auxiliar a sociedade na construção de narrativas qualificadas, com base no retrato da realidade, em defesa da equidade racial na educação, além de orientar ações do projeto.

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O PROJETO SETA – SISTEMA DE EDUCAÇÃO PARA UMA TRANSFORMAÇÃO ANTIRRACISTA É UM PROJETO APOIADO PELA FUNDAÇÃO W. K. KELLOGG, DESDE 2021, QUE REÚNE ORGANIZAÇÕES NACIONAIS E INTERNACIONAIS EM ATUAÇÃO CONJUNTA POR UMA EDUCAÇÃO PÚBLICA ANTIRRACISTA E DE QUALIDADE.